Algumas considerações sobre a Natureza e o Sagrado e o Homem

A Natureza, fonte da sobrevivência humana é deploravelmente degradada por ações exterminadoras do seu próprio beneficiário, o homem, mas continuará sendo a origem da sua vinculação com Deus. As inter-relações entre o homem, a Natureza, e os deuses, conciliando com intenso significado místico as características da flora e da fauna aos imaginários deuses lendários, enriquecem a história.

A Natureza é, indiscutivelmente, o elo entre o homem e a sacralidade desde os primórdios da civilização, vinculando sua existência à ancestralidade sagrada de um Ser superior à Natureza. O Velho Testamento mostra a “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal” colocada por Deus no Éden (Gênese, 2:8,9), uma representatividade inexorável da criação e evolução humana. Na Grécia Antiga a Natureza (Physis) fazia parte da religiosidade que buscava o princípio (Arché) de tudo, cuja mais precedente representação sagrada da Natureza encontramos em Hesíodo ao mostrar Gaia (Terra-Mãe), que após o ‘caos’ inicial do universo se torna a geradora única de todos os elementos (Teogonia, 115, 2 a 4). O panteão grego é um sincretismo dos fenômenos físicos imbricados aos deuses, estimulando os homens a crerem em deuses simbolizando a Natureza.

Esse sincretismo também foi visto na Mesopotâmia, berço da civilização, e no Antigo Egito, através de lendas que aproximavam a Natureza a seus deuses relatando experiências hierofânicas que revelavam a sacralidade da Natureza. Estes fatos também são encontramos nos textos judeus e cristãos apresentando o Criador e sua obra, a Natureza, principalmente em Gênese. Assim se expressa Mircea Eliade em O Sagrado e o Profano: “Para o homem religioso, a Natureza nunca é exclusivamente “natural”: está sempre carregada de um valor religioso. (…). Os deuses fizeram mais: manifestaram as diferentes modalidades do sagrado na própria estrutura do Mundo e dos fenômenos cósmicos. (ELIADE, 2008, p. 99)

A arqueologia encontrou nos sinais dos antigos hominídeos a deificação do pensamento com a existência de um deus superior a tudo e a todos. Na França, Henri Édouard Prosper Breuil, encontrou na última das três grutas interligadas, das cavernas de Lescaux, uma figura representativa de um deus pré-histórico, sobrestimada ao século XVIII antes da nossa, cuja aparência era uma mistura de características animais. (Reza ASLAN, Deus – Uma história humana, 2018, p. 26).

O Sagrado se relaciona com a Natureza e consolida a necessidade do homem de conciliar o que ele percebe pelos sentidos, com o desejo de vencer a morte e chegar até seu deus idolatrado. Portanto, a ideia do Sagrado permeia as culturas de todos os povos, seus cultos religiosos e suas lendas milenares, sendo historicamente inesgotáveis os exemplos e crenças que utilizam esse sincretismo, elevando representantes da flora e fauna terrestres a condições de sacralidade.

Na Índia, além da vaca ter se tornado animal sagrado, adorado em algumas festas religiosas, outros animais são tidos como sagrados para os hinduístas, como o macaco, o crocodilo e a cobra. A cultura asiática preserva a sacralidade de outro animal, o elefante, onde o deus do intelecto é representado pela figura um homem com a cabeça de um elefante. Na Tailândia o elefante representa a prosperidade, e o branco, sagrado e venerado a mais de cinco mil anos, é mantido como um símbolo nacional na bandeira nacional. Já a águia significa para os mexicanos a força e a coragem e sua imagem dourada é motivo de devoção e culto como legado de uma lenda asteca, que além da águia são veneradas as sacralidade do jaguar e da serpente.

Encontramos na China o dragão como referência cultural insofismável da religiosidade daquele povo, representando um animal sagrado que participou da criação do mundo mitológico chinês. Segundo essa mitologia o deus se transformou em elementos da Natureza: a respiração tornou-se o vento; a voz, o trovão; o olho esquerdo, o Sol; o olho direito, a Lua; o corpo nas montanhas; o sangue os rios; os músculos, as terras; a barba, as mudas e arbustos; os pelos, as florestas; a pele, o chão; os ossos, os minerais; a medula, as pedras sagradas; o suor a chuva; e as pequenas criaturas em seu corpo (como pulgas, e até bactérias), carregadas pelo vento, tornaram-se os seres humanos e animais espalhados pelo mundo.

Com a capacidade de entender o Sagrado na Natureza, o homem é um fazedor de mitos e consequentes rituais de religiosidades para atender a necessidade de divinação dos seus sentimentos através das formas da Natureza, principal ingrediente enriquecedor da sua imaginação para produzir o vínculo suficiente entre si e o seu deus, tornando as lendas que amparam a realidade sagrada do sincretismo religioso, o combustível de uma aproximação mais intensa com seu Criador.

Platão mostra racionalmente que o “filósofo é um homem divino e não um deus” (Sofista 216c), mas que filósofo é esse? É o homem comum “amigo do saber”, cujas ideias da Natureza estão no interior de si mesmo, contidas na centelha sagrada recebida quando da sua criação, condicionado pelo Pai à perfectibilidade divina, no tempo futuro que a cada um está determinado pelo próprio Deus, daí o inevitável desejo de interagir com o Sagrado tornando a Natureza seu melhor representante.

Diversas civilizações cultuam tradições sincréticas do sagrado vendo em animais e plantas as aparências dos seus deuses idealizados pelas suas necessidades, onde o homem produz um modelo interpretativo condizente com seu status moral evolutivo ao olhar na Natureza a sacralidade dos deuses do seu imaginário, motivando-o à criação de lendas e rituais próprios que abastecem a historicidade das crenças conhecidas.

A origem do mundo, o destino dos homens e a existência de um Deus, são temas enriquecidos pelas necessidade cognitivas dos seres humanos a produzir narrativas mítico-racionais, num oferecimento constante de interpretações contemplativas do Sagrado nas propriedades do seu entorno sensível, a Natureza sempre disponível, não só para atender seus propósitos de sobrevivência, mas, principalmente, para atender anseios de sobrenaturalidade existentes no seu íntimo, oriundos da sua criação concebida no simbolismo bíblico cristão de Adão, Eva e o jardim do Éden.

Tanto no entendimento platônico no Timeu acerca da criação do mundo e dos homens pelo Demiurgo, quanto o exposto na Gênese do Velho Testamento, verificam-se ideias de sacralidade, ou melhor, de interferência divina de um Ser superior a toda a criação, manifestada em hierofanias, termo assim definido por Mircea Eliade “O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania.” (ELIADE, O Sagrado e o Profano, 2008, p. 17).

Seja qual for o espaço geográfico, o fundamento religioso professado, o desenvolvimento social assumido, a humanidade contemporânea está sujeita a se deparar com as interferências entre o Sagrado e a Natureza. Lendas, historicidades e tradições fazem parte do imaginário que alimenta a contínua vinculação do homem ao seu criador, e para tanto, a Natureza, com todos os seus atributos é o melhor veículo que o homem possui para ver, ouvir, sentir e compreender os ensinos de Deus. A conservação da Natureza é infinitamente necessária para que no futuro o homem não se depare apenas com suas lendas desprovidas dos exemplos da realidade da fauna e flora que estão agonizantes pelos atos do próprio homem.

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